segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O DOUTOR SABICHÃO

Era uma vez un pobre camponês, com o alcume do Caranguejo, que levava para vender na cidade uma carga de lenha puxada por dous bois. Vendeu-a a um doutor por quatro pesos.

Quando foi receber o dinheiro, o doutor estava a comer à mesa. Ao ver como o homem comia e bebia con modos tão elegantes, sentiu um grande desejo de se tornar doutor também. Ficou parado a observá-lo por algum tempo e depois perguntou se não poderia ele se tornar doutor também.

– É claro que pode, isso é muito fácil.

– Que é preciso fazer?

– Primeiro, compre uma caderneta. Pode comprar a que tem um galo na primeira folha. Depois, venda a sua carroça e os seus bois. Com o dinheiro que obtiver, compre roupas e outras cousas apropriadas para um doutor. Terceiro, mande pintar un cartaz que diga: “Doutor Sabichão” e mande colocá-lo na sua porta.

O labrego fez tudo como o doutor mandara. Daquela, quando ele já estava a exercer a profissão desde havia algum tempo, mas não demasiado, roubaram algum dinheiro a um nobre rico. E alguém lhe disse que um tal Doutor Sabichão, que morava em tal aldeia, com certeza saberia onde fora parar o dinheiro. Então o nobre mandou trazer a sua carruagem e foi para a aldeia do Doutor Sabichão. Parou à porta da casa indicada e perguntou ao Caranguejo se ele era o Doutor Sabichão.

– Sou.

– Então tem que vir comigo para eu recuperar o meu dinheiro.

– Certamente, mas a Margarida, a minha mulher, tem de me acompanhar também.

O nobre concordou, ofereceu aos dous assento na sua carruagem e partiram juntos. Quando chegaram ao castelo do nobre, a ceia estava preparada e o Caranguejo foi convidado a sentar à mesa.

– Certamente, mas a Margarida, a minha mulher, tem de cear também – e os dous sentaram.

Quando o primeiro criado trouxe uma bandeja de fina comida, o labrego sussurou para a mulher:

– Margarida, esse foi o primeiro –querendo dizer que o criado estava a servir o primeiro prato. Mas o criado entendeu que queria dizer: “Esse foi o primeiro ladrão.” E como ele realmente fora o ladrão, assustou-se todo e disse para os seus companheiros ao sair da sala:

– Esse doutor sabe tudo, não imos poder desfazer-nos dele; disse que eu era o primeiro.

O segundo criado nem queria entrar, mas foi obrigado e, quando ofereceu o tabuleiro ao camponês, o homem sussurrou para a mulher:

– Margarida, este é o segundo.

O criado também se assustou e saiu depressa da sala.

Com o terceiro não foi diferente. Mais uma vez o labrego disse:

– Margarida, este é o terceiro.

O quarto trousse uma bandeja coberta. O dono do castelo disse ao doutor que deveria demonstrar os seus poderes adivinhando o que havia no tabuleiro. Ora, era uma bandeja de caranguejos. O camponês olhou para o prato sem saber o que fazer, então disse:

– Coitado do Caranguejo –referindo-se a si próprio.

Quando o dono do castelo ouviu isso, exclamou:

– Claro, ele ben sabe! Portanto, tambén há de saber onde está o meu dinheiro.

Então, o criado ficou horrivelmente assustado e fez um sinal para o doutor de modo a sair por um instante da sala. Quando saiu, os quatro confessaram que roubaram o dinheiro, e que lhe dariam uma boa soma se não os delatava ao patrão, pois arriscavam perder a cabeça. Ademais, mostraram-lhe onde esconderam o dinheiro. O doutor ficou satisfeito, voltou para a mesa e disse:

– Agora, meu senhor, vou ver no meu livro onde está escondido o dinheiro.

O quinto criado, entretanto, escondera-se no fogão para descobrir se o doutor sabia mais alguma cousa. Mas o doutor estava a folhear as páginas da caderneta a procurar o galo e, como não conseguiu encontrá-lo, disse:

– Sei que estás aí e tens de aparecer.

O homem no fogão pensou que o doutor estava a falar com ele e saltou do seu esconderijo, todo assustado, a exclamar:

– Este homem sabe tudo.

Então, o Doutor Sabichão mostrou ao nobre onde estava escondido o dinheiro, mas não denunciou os criados. Recebeu muito dinheiro das duas partes como recompensa e tornou-se um homem famoso.

© Irmãos Grimm

O PAPAGAIO REAL

Duas irmãs moravam juntas, a uma muito boa e a outra malvada e preguiçosa. Cada uma tinha o seu quarto.

A maior e malvada começou a notar um barulho de asas e depois a fala de um homem no quarto da irmã. Ficou desconfiada e foi olhar pelo buraco da fechadura. Viu uma bacia cheia de água no meio do quarto.

Quando deu a meianoite, chegou à janela um papagaio enorme, muito bonito e voou para dentro, metendo-se na bacia, a buligar-se todo, a espalhar água para todos os lados.

Cada pinga de água virava ouro e o papagaio, quando saiu do banho, virou um lindo príncipe. Sentou ao lado da irmã menor e começaram a conversar como namorados. A irmã maior ficou morta de inveja.

No outro dia, de tarde, encheu a janela de pedaços de vidro, bem como a bacia. Durante a noite, o papagaio chegou e, encostando-se na janela, cortou-se todo. Voou para a bacia e cortou-se ainda mais. Arrastando-se, o papagaio não virou príncipe, mas chegou até à janela e disse à moça que estava assombrado pelo que acontecera:

— Ingrata! Dobraste-me os encantos! Se me queres ver, só será no reino de Acelois.

E, batendo asas, desapareceu.

A moça deu por si a chorar e se lastimar sem fim. Brigou com a irmã e deixou a casa, procurando o namorado pelo mundo. Ia caminhando, empregando-se como criada nas casas só para perguntar onde ficava o reino de Acelois. Ninguém sabia dizer-lhe e a moça ia ficando desanimada.

Uma noite, depois de muito viajar, já cansada, ficou com medo dos animais ferozes e subiu a uma árvore, escondendo-se bem nas folhas. Estava cheia de medo quando diversos bichos estranhos chegaram para baixo do pé de pau e começaram a conversar.

— De onde chegastes vós?

— Do reino da Lua!

— E vós?

— Do reino do Sol!

— E vós?

— Do reino dos Ventos!

A moça prestou atenção. No primeiro cantar dos galos sumiram todos, e ela desceu e continuou a marcha. Andou, andou, até que chegou a outro bosque e, para não ser devorada, agatunhou numa árvore. Ali riba, quando a noite ficou bem fechada, chegaram umas vozes ao pé do pau.

— De onde vides?

— Do reino da Estrela!

— De onde vides?

— Do reino de Acelois!

— Que novidades me trazeis?

— O príncipe está doente e ninguém sabe como o tratar…

Na madrugada seguinte, ela seguiu o mesmo rumo, pois as vozes já tratavam do reino de Acelois. Andou, andou, andou. Finalmente, quando anoiteceu, estava dentro de uma floresta. Subiu num pau e ficou quieta, ali riba. Mais tarde, as vozes começaram a falar:

— De onde vides vós?

— Do reino de Acelois!

— Como vai o príncipe?

— Vai mal, coitado, não tem remédio!

— Ora, não tem! Claro que tem! O remédio é beber três pingas de sangue do dedo meiminho de uma moça donzela que morresse pelos seus ossos!

Quando amaheceu, a moça botou a caminhar. Ia o sol sumindo quando ela avistou o reinado de Acelois. Entrou no reinado e pediu abrigo numa casa. Na hora da ceia, perguntou o que acontecía no reino e disseram que o assunto da terra era a doença do príncipe. A moça, no outro dia, mudou a roupa, foi ao palácio e pediu para falar com o rei.

— Rei Senhor! Atrevo-me a dizer que posso sanar o príncipe, se o Rei Senhor me der, assinado por Vós, a metade do vosso reino e de tudo quanto lhe pertencer.

O rei assinou a metade de tudo o que possuía. A moça foi para o quarto, colocou água num copo, furou o dedo meiminho, botou três pingas de sangue dentro, misturou e mandou-o beber. Assim que o príncipe engoliu, foi abrindo os olhos, erguendo-se da cama e abraçando a moça, com uma grande alegria.

O rei ficou muito satisfeito. Quando o príncipe disse que aquela era a sua verdadeira namorada desde o tempo em que ele estava encantado num papagaio real, o rei não quis dar consentimento, porque a moça não era princesa. A moça então falou:

— Rei Senhor! Tenho por Vós assinado que a metade de tudo quanto é do rei e senhor me pertence. O príncipe é do rei e senhor e eu tenho por minha a metade dele. Se o rei e senhor não quiser que eu case com ele inteiro, levarei para a casa uma parte.

Ao ouvir falar em cortar o príncipe pelo meio, como a um porco, o rei aceitou e deu o seu consentimento.

Foram três dias de festas e danças...

© Popular brasileiro

A RAPOSA E A CEGONHA

Era daquela que a raposa convidou a cegonha a cear na casa dela. A cegonha foi. A raposa fez papas de milho para a ceia e espalhou-as em riba duma pedra, e a coitada cegonha nada pôde comer, e até machucou muito o seu grande bico. Mas a cegonha procurou um meio de se vingar.

Daí a pouco, foi à casa da raposa e disse-lhe: 

— Comadre, tu no outro dia obsequiaste-me tanto, dando-me aquela ceia, que agora é a minha vez de tě pagar na mesma moeda: venho convidar-te para ires cear comigo. Vamo-nos embora, que o prato está ainda quente.

A raposa aceitou o convite e foram-se ambas.

Ora, a cegonha prepararou também papas de milho e botou-as dentro dun jarro de pescoço estreito. A cegonha metia o bico e, quando o tirava, via-se deleitada. A raposa, porém, nada comeu, e lambeu apenas alguma pinga que caiu fora do jarro. 

Acabada a ceia, a cegonha disse à raposa: 

— Isto, comadre, é para tu não quereres ser mais sabida que os outros.

© Esopo

sábado, 15 de janeiro de 2022

O MORCEGO E A DONICELA











Caiu um morcego no chão e foi apresado por uma donicela. 

Vendo-se próximo a morrer, implorou o morcego pela sua vida. A donicela disse-lhe que não o podia largar porque de nascimento ela era inimiga dos pássaros. 

O morcego retrucou que ele não era um pássaro, mas que era un rato. Desse jeito, foi matreiro demais para escapar da morte.

Algum tempo depois, o morcego caiu novamente entre as poutas doutra donicela. Implorou-lhe também que não o comesse, mas a donicela disse-lhe que ela detestava os ratos, de jeito que não ia deixá-lo ir embora. 

Daquela, o morcego bateu nas asas e disse-lhe que ele não era um rato, mas que era um pássaro. Graças àquela argúcia, o morcego logrou escapar pela segunda vez.

© Esopo

A LEBRE E A TARTARUGA

 











Um dia, uma lebre orgulhosa e veloz viu uma tartaruga que caminhava pelo vieiro e achegou-se-lhe. A lebre começou a rir da tartaruga pela sua lentidão e pela longura das suas patas. Contudo, a tartaruga respondeu-lhe que estava certa que, a pesar da velocidade da lebre, ela seria capaz de vencê-la numa carreira.

A lebre, certa da sua vitória e considerando que aquele repto era impossível de perder, aceitou. Ambas pediram para a raposa lhes assinalar a chegada, o qual ela aceitou, do mesmo jeito que o corvo aceitou ser o juiz.

Em chegando o dia da competição, no início da corrida, a lebre e a tartaruga partiram ao mesmo tempo. A tartaruga avançava amodo, mas sem se deter.

A lebre, em troques, era muito veloz e, vindo que ganhava muita vantagem à tartaruga, decidiu parar e descansar de vez em quando. Mas numa das ocasiões, a lebre adormeceu. A tartaruga, aos poucos, continuou a avançar.

Quando a lebre acordou, topou-se com que a tartaruga estava para cruzar a meta. Ainda que botasse a correr à máxima velocidade, chegaria tarde; finalmente a tartaruga ganhou a carreira.

© Esopo

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

A TORRE QUE QUASE CHEGOU AOS CÉUS

Muito longe daqui, existe um lugar onde pousa a sombra da montanha mais alta do mundo. Esse posto chama-se Sikkim e nele morava um granjeiro chamado Wu que criava cochos.

Um dia, depois dun ventaço horrível, Wu notou que os seus cochos escaparam. Muito triste, caminhou sem pausa montanha arriba na busca dos seus queridos animaizinhos.

Os dias tornaram-se semanas, as semanas meses e os meses anos. Outros paisanos já se teríam rendido e regressado para as suas casas, mas não Wu. Era tanta a sua dedicação pelos seus animais que continuou a caminhar monte arriba até chegar ao céu. Nesse lugar tão formoso, Wu topou os seus cochos. Era tanta a sua alegria que pediu para lhe permitirem ficar ali com os seus animais. Mas não lhe foi permitido:

— Não podes viver aqui, não chegou ainda o teu momento. Hás de regressar a Sikkim.

Wu empreendeu o longo caminho de retorno. Em chegando a Sikkim, contou a todos sobre as maravilhas que topara no céu.

— Temos que conhecer esse lugar maravilhoso —disseram todos—. Se construirmos uma torre, chegaremos ao céu mais rápido.

Foi assim como todos os habitantes de Sikkim se reuniram para construir a torre, andar por andar, deixando só um homem embaixo para vigiar.

Depois dum tempo, quando a torre quase que arranhava o céu, as pessoas começaram a perder a paciência e muitos deles pensaram:

— Se tivéssemos gabitos para pendurar cordas, poderíamos aventá-los às nuvens e agatunhar ao céu sem termos que construir mais andares.

De um andar para o seguinte, a começar por cima, iam dizendo-se:

— Precisamos que envies gabitos!

Mas foram tantas as vezes que se repetiu a mensagem que, em chegando ao primeiro andar, o paisano de baixo escutou:

— Precisamos que derrubes a torre com um machado!

Logo, o paisano começou a bater com o machado na torre até derrubá-la.

E é por ese motivo por que, até hoje em dia, há uma nódoa no meio de Sikkim. Esse é o lugar onde caiu a torre que quase tocou o céu.


© Popular de Sikkim

AS DUAS RÃS

 

Esta é a história de duas rãs. Ambas moravam bem felizes no Japão, mas em diferentes cidades: a uma morava em Quioto e a outra morava em Osaca.

Uma manhã, as duas ras acordaram bem aborrecidas e decidiram que era tempo de explorarem outros lugares:

—Eu vou para Osaca —decidiu a rã de Quioto.

—Eu viajarei para Quioto —decidiu a rã de Osaca.

Sem o saberem, as rãs fizeram a equipagem ao mesmo tempo e saíram aos pulos até ao caminho da montanha que separava ambas as cidades.

A viagem foi mais longa do previsto e por cousas do destino, as duas rãs, esgotadas, detiveram-se no cimo da montanha.

Em se encontrando, as duas olharam-se con emoção. E logo cumprimentaram-se e principiaram uma conversa. Foi assim como souberam para onde ia cada uma delas.

—Eu vou para Osaca! —disse a rã de Quioto—. Ouvi dizer que é uma cidade esplendorosa.

—E eu, para Quioto! —respondeu a rã de Osaca—. Todos dizem que é uma cidade espetacular.

—É mágoa não sermos mais altas— disse a rã de Quioto—. Se o fôssemos, poderíamos ver do topo da montanha a cidade que queremos visitar.

—Tenho uma ideia! — exclamou a rã de Osaca—. Ergamo-nos nas pontas das nossas dedas e apoiemo-nos uma na outra. Assim poderemos botar uma olhada à cidade para onde imos.

Daquela, as duas rãs fizeram assim e tomaram-se das patas dianteiras para não caírem.

A rã de Quioto ergueu a cabeça para Osaca. A rã de Osaca ergueu a cabeça para Quioto.

— Que deceção! —disse a rã de Quioto—. Osaka é igual a Quioto.

— Que chatice! —disse a rã de Osaca—. Quiioto é igual a Osaca.

Nesse instante, a rã de Quioto disse:

— Alegra-me que descubrimos isso. Agora já podemos voltar para a casa e poupamos uma longa viagem.

As duas despediram-se e regressaram aos pulos para cadansua cidade.

Contudo, as duas rãs esqueceram que todas as rãs do mundo têm os olhos na traseira da cabeça e que, na realidade, o que viram estava por trás e não por diante. A rã de Quioto vira Quioto e a rã de Osaca vira Osaca!

© Popular japonês