Quando foi receber o dinheiro, o doutor estava a comer à mesa. Ao ver como o homem comia e bebia con modos tão elegantes, sentiu um grande desejo de se tornar doutor também. Ficou parado a observá-lo por algum tempo e depois perguntou se não poderia ele se tornar doutor também.
– É claro que pode, isso é muito fácil.
– Que é preciso fazer?
– Primeiro, compre uma caderneta. Pode comprar a que tem um galo na primeira folha. Depois, venda a sua carroça e os seus bois. Com o dinheiro que obtiver, compre roupas e outras cousas apropriadas para um doutor. Terceiro, mande pintar un cartaz que diga: “Doutor Sabichão” e mande colocá-lo na sua porta.
O labrego fez tudo como o doutor mandara. Daquela, quando ele já estava a exercer a profissão desde havia algum tempo, mas não demasiado, roubaram algum dinheiro a um nobre rico. E alguém lhe disse que um tal Doutor Sabichão, que morava em tal aldeia, com certeza saberia onde fora parar o dinheiro. Então o nobre mandou trazer a sua carruagem e foi para a aldeia do Doutor Sabichão. Parou à porta da casa indicada e perguntou ao Caranguejo se ele era o Doutor Sabichão.
– Sou.
– Então tem que vir comigo para eu recuperar o meu dinheiro.
– Certamente, mas a Margarida, a minha mulher, tem de me acompanhar também.
O nobre concordou, ofereceu aos dous assento na sua carruagem e partiram juntos. Quando chegaram ao castelo do nobre, a ceia estava preparada e o Caranguejo foi convidado a sentar à mesa.
– Certamente, mas a Margarida, a minha mulher, tem de cear também – e os dous sentaram.
Quando o primeiro criado trouxe uma bandeja de fina comida, o labrego sussurou para a mulher:
– Margarida, esse foi o primeiro –querendo dizer que o criado estava a servir o primeiro prato. Mas o criado entendeu que queria dizer: “Esse foi o primeiro ladrão.” E como ele realmente fora o ladrão, assustou-se todo e disse para os seus companheiros ao sair da sala:
– Esse doutor sabe tudo, não imos poder desfazer-nos dele; disse que eu era o primeiro.
O segundo criado nem queria entrar, mas foi obrigado e, quando ofereceu o tabuleiro ao camponês, o homem sussurrou para a mulher:
– Margarida, este é o segundo.
O criado também se assustou e saiu depressa da sala.
Com o terceiro não foi diferente. Mais uma vez o labrego disse:
– Margarida, este é o terceiro.
O quarto trousse uma bandeja coberta. O dono do castelo disse ao doutor que deveria demonstrar os seus poderes adivinhando o que havia no tabuleiro. Ora, era uma bandeja de caranguejos. O camponês olhou para o prato sem saber o que fazer, então disse:
– Coitado do Caranguejo –referindo-se a si próprio.
Quando o dono do castelo ouviu isso, exclamou:
– Claro, ele ben sabe! Portanto, tambén há de saber onde está o meu dinheiro.
Então, o criado ficou horrivelmente assustado e fez um sinal para o doutor de modo a sair por um instante da sala. Quando saiu, os quatro confessaram que roubaram o dinheiro, e que lhe dariam uma boa soma se não os delatava ao patrão, pois arriscavam perder a cabeça. Ademais, mostraram-lhe onde esconderam o dinheiro. O doutor ficou satisfeito, voltou para a mesa e disse:
– Agora, meu senhor, vou ver no meu livro onde está escondido o dinheiro.
O quinto criado, entretanto, escondera-se no fogão para descobrir se o doutor sabia mais alguma cousa. Mas o doutor estava a folhear as páginas da caderneta a procurar o galo e, como não conseguiu encontrá-lo, disse:
– Sei que estás aí e tens de aparecer.
O homem no fogão pensou que o doutor estava a falar com ele e saltou do seu esconderijo, todo assustado, a exclamar:
– Este homem sabe tudo.
Então, o Doutor Sabichão mostrou ao nobre onde estava escondido o dinheiro, mas não denunciou os criados. Recebeu muito dinheiro das duas partes como recompensa e tornou-se um homem famoso.
© Irmãos Grimm